Sérgio Utsch: Química se repete nos bastidores do encontro entre Trump e Lula
Clima do primeiro encontro na ONU aconteceu de novo na Malásia; presidentes se uniram até para "reclamar" da imprensa: "Só me fizeram perguntas chatas"
Sérgio Utsch, enviado especial a Kuala Lumpur
Quando a imprensa brasileira chegou à porta da sala onde estavam os presidentes Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva, os jornalistas norte-americanos já estavam esperando. Momentos depois, veio um chamado da organização: "Primeiro, a imprensa dos Estados Unidos".
A decisão de privilegiar a imprensa norte-americana poderia ser considerada normal na Casa Branca ou em qualquer outro ponto dos Estados Unidos mas, em território neutro, jornalistas de ambos os países têm direitos absolutamente iguais.
Houve protestos de assessores, diplomatas e jornalistas brasileiros e um início de confusão que quase derruba um tapume de tecido, que servia como primeira barreira.
No fim das contas, todos entraram. Norte-americanos à frente. Sul-americanos, atrás.
Lá dentro, o desafio do presidente Lula era justamente inverter a lógica de que um país faz uma determinação e espera obediência dos demais.
"Não há razão para haver qualquer tipo de conflito entre o Brasil e os EUA. Acredito que quando dois presidentes se sentam à mesa e cada um apresenta seus pontos de vista e seus lados, então podemos seguir adiante e chegar a um acordo depois", disse Lula, respondendo a uma pergunta do SBT News.
O primeiro passo para que se chegasse até esse encontro foi dado nos 30 e poucos segundos de conversa nos bastidores da Assembleia Geral da ONU, em setembro. "Houve uma boa química entre nós", declarou o presidente Donald Trump à época.
Toda vez que se refere a esse encontro, o norte-americano lembra, com mágoa evidente, que no momento do seu discurso, o teleprompter não funcionou. "Mesmo assim fiz um dos melhores discursos da minha vida", afirmou o norte-americano ao presidente Lula.
Como na ONU, em Nova York, a química parece ter permanecido em Kuala Lumpur. A foto oficial do aperto de mãos mostra dois presidentes sorrindo, como se ambos quisessem dizer ao mundo que tiveram um bom encontro. A avaliação do governo brasileiro também foi positiva.
Uma das autoridades presentes na reunião me disse que o objetivo principal era normalizar as relações, que passaram por sua pior fase em mais de 200 anos de história diplomática.
O primeiro acordo feito entre os dois presidentes foi justamente determinar o início imediato das negociações que, segundo o próprio Trump, podem resultar na suspensão - ainda que temporária - das sobretaxas impostas a produtos brasileiros. "Vamos resolver isso rápido", disse ele.
Equipes do Brasil e dos Estados Unidos, incluindo o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o secretário de Estado, Marco Rubio, voltaram a se reunir na noite deste domingo, em Kuala Lumpur, onde Trump fica até a manhã de segunda-feira.
Questionado pelo SBT News se ele estava ou foi convencido pelo governo do Brasil de que as tarifas que impôs a produtos brasileiros eram injustas, Trump optou por uma resposta diplomática.
"Acho que tudo é justo, nós temos economias e muito respeito por você, presidente, especialmente, muito respeito pelo Brasil. Então, veremos. Provavelmente vamos resolver algumas coisas. Vou deixar esses caras resolverem isso. Mas acho que vamos conseguir resolver algumas coisas".
Desde o início, o tom de Donald Trump não era de confronto, como muito se viu nas declarações dele sobre o Brasil.
Outra fonte do governo afirmou que Lula conseguiu dar ao norte-americano a versão do governo sobre fatos que chegam até a Casa Branca por pessoas cujas ideias comungam com as da família Bolsonaro.
O nome e o caso do ex-presidente brasileiro foram citados por Lula para questionar o norte-americano sobre a aplicação da Lei Magnitsky e de sanções contra autoridades brasileiras. Lula disse a ele que Bolsonaro teve amplo direito de defesa e que havia provas robustas de que ele tentou dar um golpe de Estado.
O presidente brasileiro estava tão à vontade que, nos últimos dias, fez declarações que até alguns diplomatas consideraram inadequadas para a véspera de um encontro tão importante com o presidente dos Estados Unidos.
Ainda que não tenha citado Donald Trump, criticou aberta e publicamente a imposição de tarifas, o unilateralismo e até disse que "andar de cabeça erguida é mais importante que um Nobel" nos discursos que fez na Malásia.
Vaidoso, Trump poderia ter confrontado o presidente Lula, como fez com vários outros líderes. Optou por ouvi-lo e por tratá-lo com um respeito que não confirma a tese espalhada por setores da direita brasileira, de que o norte-americano preparava uma "armadilha" para Lula.
Se não houve resultados práticos ainda, é evidente que o clima é outro e que os dois, de fato, têm uma "química". Lula ficou de visitar Trump em Washington. Trump ficou de visitar Lula no Brasil. A relação entra em outro patamar.
O contato com os jornalistas aconteceu antes do início da reunião, o que não agradou ao presidente Lula, que reclamou do tempo que estava perdendo pra discutir assuntos importantes com Donald Trump.
Além de reclamar da imprensa, que endereçava a maior parte das perguntas ao norte-americano, o presidente também interrompeu o contato entre Trump e os holofotes e câmeras, um dos momentos mais apreciados por ele.
Até nessa hora, deu química. "Eles não precisam desse tempo todo", disse Trump, concordando e ainda reforçando o argumento de Lula. "E só me fizeram perguntas chatas", completou o norte-americano, antes da sua segurança convidar, depois da declaração do chefe, que os jornalistas se retirassem da sala.






