Polícia

Megaoperação no Rio de Janeiro: o que está por trás da ação mais letal do estado

Foram 64 mortos e 81 presos; especialista em segurança pública ouvido pelo SBT News analisa fatores que contribuíram para a letalidade da operação

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Uma megaoperação das forças de segurança do Estado do Rio de Janeiro, deflagrada nesta terça-feira (28), nos Complexos da Penha e do Alemão, deixou, segundo balanço oficial, ao menos 64 mortos e 81 presos até o momento. A ação, parte da chamada Operação Contenção, foi justificada pela necessidade de desarticular lideranças do Comando Vermelho (CV) na região. Cerca de 2.500 policiais civis e militares cumpriram mandados de prisão e busca na região.

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As equipes encontraram resistência armada intensa: houve relatos de troca de tiros, uso de barricadas incendiadas em vias expressas e ataques com drones por parte de criminosos, com o objetivo de atrasar o avanço policial.

Por que a operação escalou tanto?

A ação das forças de segurança fazem parte da estratégia permanente chamada “Operação Contenção”, apontada pelo governo do estado como um resposta ao avanço territorial da facção criminosa Comando Vermelho (CV).

Com 45 anos de existência, o CV é conhecido como uma das maiores organizações criminosas do Brasil e está presente em 21 estados.

Segundo representantes do Executivo, foram mais de 100 mandados cumpridos durante a operação planejada ao longo de 'mais de um ano de investigação', com foco em lideranças que coordenam ações de dentro das favelas, segundo a polícia.

O jornalista e escritor Sérgio Ramalho, especialista em segurança pública do Rio de Janeiro e autor do livro 'Decaído' — que narra a história do miliciano Adriano da Nóbrega, ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) morto em 2020 — explicou ao SBT News os fatores que levaram ao alto número de mortes na operação.

Segundo ele, o fato de as facções que atuam no Complexo do Alemão e na Penha estarem fortemente armadas, e o número expressivo de agentes envolvidos, contribuíram para a letalidade da ação.

“Os complexos do Alemão e da Vila Cruzeiro ficam em uma região que abrange vários bairros do subúrbio do Rio de Janeiro. Essa área é bastante grande e conflituosa, com grupos criminosos fortemente armados. Isso acaba explicando por que, quando há uma operação desse vulto, como a de hoje, com mais de 2 mil homens, ocorrem mais mortes”, destacou.

Região estratégica para o CV

Os complexos do Alemão e da Penha estão sob domínio histórico do Comando Vermelho desde o início dos anos 2000.

Ramalho lembra que a execução do jornalista Tim Lopes, em 2002, marcou um ponto de inflexão ao revelar a força do grupo na região, considerada um dos redutos mais estratégicos da facção.

O especialista ressalta que Marcinho VP, líder do grupo e preso desde 1996, ainda comanda a área.

“Ali virou uma espécie de banco do Comando Vermelho”, explica o especialista. “É uma área importantíssima para eles, que tem como principal chefe o Marcinho VP. Embora esteja preso, ele ainda opera dali. As pessoas que estão lá são historicamente ligadas ao grupo dele. Então, a região é muito importante.”

O especialista afirma que, embora estratégica, a região vem sendo disputada pelo Terceiro Comando Puro (TCP), facção rival que tenta avançar sobre o território.

Ele alerta ainda que operações de grande impacto contra o Comando Vermelho, sem ocupação permanente do Estado, podem abrir espaço para o fortalecimento do TCP, repetindo ciclos de violência já observados em ações anteriores.

“Quando você faz uma ação muito forte contra um grupo, acaba abrindo brecha para que o outro se instaure ali. Eu torço para que o Estado entre de fato. O ideal seria identificar e estrangular a movimentação financeira desses grupos”, afirmou.

O que pode reduzir o poder das facções?

Para Ramalho, mais do que operações pontuais nas favelas, a solução duradoura passa pela identificação e pelo estrangulamento das rotas financeiras que sustentam as facções.

Ele explica que, hoje, o tráfico é apenas parte de um negócio muito maior com controle territorial transformado em poder paralelo: cobranças que parecem impostos, agiotagem, tarifas sobre água e gás, presença em atividades econômicas (às vezes legalizadas) e mesmo serviços de telecomunicações e internet que, quando operam em áreas de domínio, devem ser objeto de checagem rigorosa.

O ideal seria a identificação e uma forma de você estrangular a movimentação financeira desses grupos. Eles cobram impostos, que na verdade levam o nome de "taxa" lá para eles, como água, gás, e várias outras atividades econômicas e em algumas delas até legalizadas, destaca.

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"Os grupos movimentam tanto dinheiro hoje e não é só mais o tráfico, o tráfico virou só uma parte do negócio. Eles têm hoje domínio de território, com domínio de território eles passam a agir como o Estado. Então, o que você precisa fazer o que deveria ser feito é isso, você estrangular o financiamento. Sem dinheiro, nada funciona", completa Sérgio

Efeitos pouco duradouros

Sérgio Ramalho avalia ainda que operações de grande porte, como a realizada nesta terça, tendem a produzir efeitos imediatos, mas pouco duradouros. Para ele, a complexidade da região marcada por anos de domínio armado, exige um trabalho contínuo e estruturado de retomada territorial.

“O que vemos no Rio são ações pontuais, que chamam atenção pelo tamanho, mas cujas consequências se perdem com o tempo. Os criminosos não estão mais confinados às favelas; já controlam ruas e bairros inteiros, impõem barreiras e até escavam buracos para dificultar o acesso das forças de segurança”, explica.

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O especialista defende ainda que a resposta do Estado deve ser gradual, permanente e acompanhada de um processo de depuração interna nas próprias corporações, diante do retorno de agentes anteriormente condenados por envolvimento com o crime.

“Sem uma ação constante e ética dentro e fora das instituições, a cada operação, tudo volta a ser como antes”, conclui.

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